A espuma dos dias

Título Original: L'écume des jours
País: França
Diretor: Michel Gondry
Roteiro: Luci Bossi
Elenco Principal: Romain Duris, Audrey Tautou e Omar Sy
Estreia no Brasil: Junho de 2013




É bem natural as pessoas viverem o ordinário como um sonho, acrescentando inúmeras significados extras ao que deveria ser visto como uma simples casualidade. A história do escritor Boris Vian, retratada neste novo trabalho de Gondry, é exatamente inversa, construindo uma fantasia surrealista em torno de uma história de amor banal (logicamente que a obra não se resume a este único aspecto). O criativo de Gondry é algo que nos diverte em assistir, mas talvez seja um pouco excessivo em suas mais de duas horas de duração.

A trama gira em torno do burguês Colin (Duris), que vive junto com seu elegante, descolado e inteligente cozinheiro, Nicolas (Sy). Ao ver seu melhor amigo Chick (Elmaleh) se apaixonar ele decide fazer o mesmo e acaba casando com Chloé (Tautou), tudo muito repentino. No entanto, a alegre vida do casal e seus amigos começa a se desfazer logo após a lua de mel, quando Chloé contrai uma doença que só pode ser curada se a mesma viver rodeadas de flores. Esse exótico tratamento consome todas as economias de Colin, ao ponto de que ele deve começar a trabalhar pela primeira vez na vida.

Como dito, o roteiro é uma adaptação do livro francês homônimo (um dos mais preferidos por eles) que discute temas profundos com um surrealismo eloquente. Não conheço a obra de Vian, mas sempre foi tida como algo inadaptável às telonas (embora haja uma versão de 1968, que também desconheço). Isso serve de parâmetro para termos em mente a complexidade das ideias do escritor. No entanto, é bem provável que Gondry fosse a pessoa mais indicada para tal trabalho, vide seus longas anteriores, como Brilho eterno de uma mente sem lembrança e Sonhando acordado.

A concepção do diretor é realmente encantadora, prendendo o espectador desde o segundo inicial da projeção, com um misto de sentimentos que vão de uma inquietação curiosa, para se entender o que estamos vendo, à pura diversão ao sermos introduzidos no peculiar universo de Colin. Inventivo (como o pianocktail), fantasioso (vide o rato que mora com Colin em uma míni versão de sua própria casa), mas sempre surrealista ao extremo. Imprimindo à narrativa uma áurea da era do jazz (tema muito influenciado por Vian), o uso das cores e a composição do cenário é perfeito, bem como a escolha em utilizar o stop motion para construir os efeitos visuais.

As atuações são muito boas e fundamentais para manter a transcendência do real em que se baseia a trama. Audrey Tautou é sem dúvida a atriz correta para interpretar a doce e frágil Chloé, ao passo que Sy vive uma expansão carismática do seu trabalho em Intocáveis. Mas é a figura de Romain Duris que se sobressai no longa, ajudando-nos a encarar com naturalidade aquele estranho universo.

No entanto, é toda esse design de produção que trai o diretor. Gondry se empenhou tanto em dar vida à todas as metáforas contidas na obra literária de tal forma que, com o decorrer do filme, as emoções da história acabam se tornam reféns daquela estética visual que inicialmente nos encantou. E é nessa segunda etapa que surgem elementos desconexos da narrativa, como uma tentativa de acrescentar tudo o que contém no livro para não desagradar seus fãs.

Mas as ideias discutidas por Vian estão lá. O amor em sua forma simples, sua crítica à igreja e principalmente, seu desprezo pelo existencialismo de Jean-Paul Sartre. Tudo isso mergulhado em um surrealismo que maravilhosamente ganha vida nas mãos de Gondry. Se perde no meio do caminho, mas chega-se ao fim da "viagem" com um estranho gosto de satisfação.


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